Foram muitas as venturas e
desventuras que eu vivi por aquele pedaço do continente asiático, que, pelo
tamanho e pela carga de singularismos, deveria ser considerado como um continente
todo.
O melhor sempre fica pro fim, então
vou começar contando a experiência vivida na minha primeira, mas não única,
viagem ao planeta Índia.
Como mochileira meu sonho era
ir à Índia e como montanhista meu sonho era conhecer o Himalaia (ainda não
consigo pronunciar essa palavra sem dar um sorriso torto ou me arrepiar toda).
E depois de quatro curtos meses por aquelas terras ,foi lá que eu fechei com
chave de platina (porque ouro não é o suficiente) meu destino final.
Peguei o pacote de quatro dias
de expedição com Joshua, um alemão friamente-típico que eu conheci durante o
intercambio e com quem eu compartilhei toda minha Índia. Depois de rodarmos Rishikesh
em busca de alguma companhia de trekking que já tivesse um grupo de pessoas
para a expedição, encontramos uma que havia já duas garotas francesas, Mimi e
Maud. A busca não foi fácil, pois começava o inverno intenso da Cordilheira do
Himalaia e poucas pessoas estavam dispostas a percorrer dezenas de quilômetros
subindo e descendo montanhas cobertas com cinco palmos de neve e dormir dentro
de barracas em noite frias de 12 graus negativos. Eu desde o começo sabia que
essa época não era a mais indicada para trekking naquela região, mas eu não
queria de jeito nenhum voltar ao Brasil sem ter me iniciado nos cumes do
Himalaia. Então fomos...
Dia 1
O primeiro dia foi uma viagem
de carro de 8 horas enfrentando todo o caótico e barulhento trânsito indiano,
somado á uma subida de 3 km para chegar à primeira base do acampamento. Meu
joelho já chorava. Sempre tive costume de fazer trilhas, mas meu joelho é meu
calcanhar de Aquiles. Ainda mais abusando da bagagem, já que há 27 dias eu
carregava uma cargueira de 17 kg nas costas e uma ataque com 7 kg na frente.
A fantástica Cordilheira do Himalaia com o lago refletindo a imponência dessas montanhas. Foto: Michelle Beralde |
Posição privilegiada da nossa barraca. Foto: Michelle Beralde |
O pôr do Sol foi incrível. A
janta foi maravilhosa. Só que dormir não foi fácil. Para uma brasileira nata,
nascida no trópico de capricórnio, 8 graus negativos durante a noite é um
insulto ao meu limite de conforto. Dois sacos de dormir e dois cobertores não
foram o suficiente. O desconforto do frio e da pedra de gelo sobre onde eu
estava deitada, me impediram de sequer cochilar. Eis então que às 3h da manhã
eu saio da barraca em busca de outro cobertor, saco de dormir ou qualquer outra
coisa que me fizesse parar de sentir os ossos gelados. Foi aí, nesse momento,
que fez valer toda a minha viagem.
A lua cheia iluminava
diretamente o pico nevado das montanhas a minha frente, luz o suficiente para
mostrar o desenho da neve e a sombra dos picos, mas ainda deixando espaço para
as estrelas mostrarem brilho, formarem as linhas das constelações e deixar o
rastro da via láctea. Era o cenário perfeito. Não sei o quanto tempo se passou
enquanto eu olhava aquela paisagem, podiam ter sido segundos, ou minutos no tempo
real, mas para mim, aquele momento durou anos-luz e atravessou gerações.
Chamei o Joshua e disse: ‘ Venha
ver esse céu, está incrível’, ele, meu anjo da guarda – torto, resmungou um grunhido
sonolento: ‘Tira um foto’. Foi o que fiz. Tentando equilibrar a Canon sem tripé
nenhum, numa alta exposição, consegui, embaçadamente, tirar uma das minhas
fotos preferidas, não pela qualidade, porque essa parte deixa bem a desejar,
mas por tudo o que aquele eterno momento representou pra mim.
O tal mágico momento eternizado pela minha Canon Foto: Michelle Beralde |
No chão, vários cristaizinhos de
gelo.
Encontrei os dois praticamente dormindo de conchinha com o cara que
tomava conta do acampamento. Tudo questão de sobrevivência na noite gelada...
talvez...
Eles me deram um saco de juta
pra colocar embaixo do meu finíssimo isolante térmico de E.V.A. Toda torta de
frio, voltei correndo pra minha barraca e lá encontro o Joshua num sono invejavelmente
profundo e ainda com o braço sem blusa pra fora do cobertor. Queria muito ter a
mesma resistência européia ao frio.
Tentei dormir.
(continua a semana que vem...)
(continua a semana que vem...)